sexta-feira, 30 de julho de 2010

O gole de um milhão de dólares

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Prólogo

...Onde estão os velhos tempos? O que aconteceu com eles? Quero sentir a sensação de liberdade. Mas até agora só sinto o tédio apossando-se da minha existência. Quero sair e beber de novo. Quero pegar um carro e pisar fundo ao acelerador até o motor fundir. Eu quero sentir o vento soprar no meu rosto com toda a intensidade, soprará tão forte que não conseguirei manter meus olhos abertos. Estarei por um momento sublime cego. Mas não cego aos sinais, as inteligências. Estarei cego aos planos, as regras. Serei realmente livre. Abrirei a geladeira e darei o gole na cerveja gelada. O gole de um milhão de dólares.


O gole de um milhão de dólares


...Evandro chegou do trabalho mais cedo do que costumava chegar. Mas aquele dia era especial. Trabalhava em uma livraria. Chegou aparentemente cansado, mas com uma vibração interior incrível. Estava em casa para ver o jogo da seleção. Sentou-se no sofá em frente à TV, mirou o controle a ela que imediatamente após um segundo começou a transmissão. Mostrou mulheres maravilhosas se agarrando a uma grande garrafa de cerveja. Comercial. Logo um grande abridor saia do meio das nuvens e: “Tsssh...” O líquido dourado, com aparência fresca preenchia um copo. Depois uma mão apanhava o copo e... Evandro não se agüentou. Correu até a geladeira e pegou algumas latinhas, colocou-as em um isopor pequeno que mantinha ali perto adicionando também gelo. Quase voltando à sala deu meia volta e alcançou um pacote de amendoim. Levou para sua guarda, em uma mesinha de centro que manteve ao lado do acento.

...O jogo começou. Buscou uma cerveja que quando aberta reproduziu apenas metade do que a televisão mostrara. Um “Tsh” chocho, brochante. Mas Evandro não ligou para isso. Imediatamente enquanto trazia a latinha para perto da boca começou a confabular no fim de sua vontade. Podia até sentir a cerveja preenchendo sua boca. Estupidamente gelada. Depois descendo pela garganta. Um merecido “Ah...” Ele até sacrificou uma cobrança de lateral para o tão esperado gole. Como se tivesse ensaiado muitas e muitas vezes. Olhos cerrados latinha a boca. Apenas uma ilusão. Depois de engolir sentiu-se meio frustrado, pois a sensação de refrescância tão esperada não era maravilhosa, pelo menos não como tanto imaginara. O conteúdo preenchia sua boca, mas amortecia-lhe a língua. Estupidamente gelada. Dava-lhe mais vontade de beber, não mais apreciava a bebida, mas mandava ela para dentro com finalidade de deixar a sensação salgada do amendoim.

...No intervalo entre o primeiro e o segundo tempo, nenhuma alteração. Nem se quer cruzou as pernas, alongou-se, deu uma volta em torno da cadeira, pegou mais cerveja, mais amendoim, nada. Ficou ali apreciando a programação e alguns comentários. Quando o jogo terminou, o placar deprimente: 2x0.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A fria lâmina do anonimato

...Esta é a história de um fotógrafo anônimo. O nome dele é Alberto. Alberto dos Santos. Digo anônimo, pois este morreu no anonimato por causa de sua primeira exposição. Tinha um futuro promissor, pelo menos é o que eu consigo ver na minha bola de cristal. Se não fosse uma foto. Por uma única foto.

...Como todos os fotógrafos da época. 1983, se não estou enganada. Tirava fotos bem enquadradas. Pessoas sorrindo em bancos de praça. Cães de família com familiares. Árvores com pessoas fazendo piqueniques ao redor. Colméias de abelhas com apicultores.

...Dentre os assuntos mais variados ele tinha onze, onze fotos. Com doze, pelo menos o que ele achava, poderia imprimir e emoldurar todas e conseguiria sua primeira exposição de sucesso. Ou completo fracasso. Precisava de mais uma. Mais uma única.

...Mas não conseguiu. Vitorioso pensou em expor então as duas que tinha conseguido no último fim de semana que havia saido para a 'caça'. Porque colocar apenas uma se pode colocar duas. E assim foram impressas e emolduradas não onze nem doze, mas treze. As treze fotos sensacionais de Alberto dos Santos.

...Folhetins impressos em jornais. Tudo custeado pelo próprio fotógrafo. O convite enviado a algumas personalidades políticas mais respeitadas da cidade. No grande dia 26 de agosto de 1983. Tenebroso dia 26 de agosto. Lembrado por ninguém. A manhã começou fria e nublado continuou até o fim. As portas do salão se abriram rangendo. O pessoal entrou com preguiça.

...As fotos dispostas em biombos brancos. Todas em preto e branco. Pessoas sozinhas sentadas, em pé. Em família. Em companhia de objetos. Mas a ultima chamou mais atenção. Pois não havia pessoa nenhuma. O mais curioso é que o nome da foto era: “Mulher nua de braços abertos.” A imagem mostrava uma árvore. Com muita cautela o observador conseguia enxergar braços femininos. Atrás das folhas. A mulher nua estava escondida entre as folhagens. Que ultraje.

...Olhavam com desgosto para a obra prima. A décima terceira foto. Que fez com que no final do dia a exposição sucesso por quase uma hora fosse fechada. Não cometi atentado ao pudor. Falou, contou, explicou e gritou por toda noite o fotógrafo frustrado em uma sela única.

...Meses depois saiu sem acostumar-se com a luz. Cambaleou e aposentou a máquina fotográfica. Gastou seus últimos dias desconhecido com filmes, álbuns, livros e sono.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Façam fila indiana, por favor.

...Um dia isto acontece com todos, não se sinta tão especial. Você é só mais um boiando na correnteza. Como um pedaço podre de cocô. Talvez com alguns vermes a mais. Mas é só isso. Não sei de onde vem estas manias imbecis de sair pulando só porque conseguiu uma boa nota na escola. Conquistou o respeito em casa. Olhou com outros olhos para a empregada. Pior que boiar é estar em uma correnteza como você. Não é esperto. Vai para onde todos vão. Vai chegar aonde milhões de outro chegaram antes de você, mas quando o fizer vai sentir-se o próprio Deus. O todo poderoso. Pensará que fará que nem eu. Falará o que quiser e se achara o bom da vez. Aquele que pode falar o que mais ninguém fala. Sim, todos estarão curvados em sua imaginação. Poderá surpreender a todos com um discurso irreverente e cheio de provocações. Pois você estará em situação sublime. Estará com seu poder máximo. Mas lembre-se apenas que ao fim da correnteza vem uma cachoeira. Eu sei, eu já cai nela e explodi como um monte de bosta explode quando bate de encontro a uma superfície cruel como a da água. Fica pior que cair de nuca no piso frio em um dia chuvoso. Contará aos outros que te apoiarão e todos, inclusive você acharão isto um máximo.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Confidencial

...Sim, estava em uma delegacia. Não, eu não roubei nem matei. Estava indo buscar meu primo. Ele foi intimado a ir até o local, pois tinha sido pego perto de um ponto de venda de material ilícito. Drogas, armas, contrabando em geral. Claro que ele não tem culpa. A mãe dele que dizia apenas isso, vai ser rápido. Vai lá pra mim. Além do mais, não to em condições de dirigir agora. Sabe que eu acabei de acordar. Justamente por que eu tive que vir apanhá-lo. Até tentei trazê-la junto, mas ela ficaria muito injuriada e não agüentaria a pressão do lugar. Claro, pois ia ter de admitir tudo, ficaria pensando sobre o caso. Em todo caso vim eu para, absolver por assim dizer minha tia da pena. Deixa ela pensar que o filho dela é perfeito. Completou 18 na semana passada e veja só. O pimpolho na delegacia. Os tiras, é bom poder usar a palavra quando você não tá na reta, estão mantendo ele por bastante tempo lá. Querem pelo jeito arrancar a confidência no ultimo suspiro.

...Não foi nada agradável. Na realidade ele ficou naquela sala uma meia hora apenas, mas quando se está do lado chato da ação o tempo simplesmente não corre. Ele saiu como é: magro, com roupas ridículas, tem aquele estilo imbecil de ser, com um olho roxo alguns hematomas no braço, o nariz sangrando com um algodão. Claro ele não é machucado por natureza. Descontrai: “Puxa, pegaram pesado com você, foi a galera do gueto ou foram os tiras?” Na hora ele sorriu sem graça e eu nem atinei. De qualquer forma certo dia tive acesso ao interrogatório feito a ele por escrito. Foi uma colega meu que faz direito. Tava fazendo uns trabalhos na área criminal e teve acesso ao dialogo completo. Reconheceu o meu nome no sobrenome e levou para eu ler na maior brincadeira:

...”Boletim de ocorrência no 0764232 (18/02/2011) Referente a suspeita de auxilio a trafico de drogas e porte de arma. Suspeito Eric Castro da Costa.” Quando terminei esta parte meu colega falou que fiquei extremamente sério. Eles brincam que nunca fui mais o mesmo. Passei os olhos correndo pelo texto identifiquei algo como: “O comandante Rogério Silva Júnior pergunta ao inquirido se ele fez uso de drogas naquele dia e/ou seu ele faz uso periódico da substancia proibida pelo artigo 13 parágrafo 15 do código civil do estatuto dos direitos civis perante a ordem. Negado pelo jovem. [...] Negado pelo jovem. [...] O comandante reformula a questão com embasamento em técnicas de persuasão previstas pelo manual... [...] Negado pelo jovem. [...]”

...Tudo estava tão claro para mim. Realmente minha tia surtou tanto com aquela historia na época que depois dos exames de sangue e diabo a quatro contatou-se que o Eric não tinha qualquer envolvimento com aquela ‘galera’. Foi um ‘ufa’ familiar... [...]

...Este texto, em seu formato integral foi censurado e proibido pelo governo. Este por sua vez fez certas adaptações a gosto e vontade. Votem para o futuro do país.

sábado, 3 de julho de 2010

O que houve?

...Não sei desde quando o habito de fumar entrou no bar do Joe. Mas ali era lei. Lei talvez não, mas era impossível estar naquele ambiente não grande, ou melhor, nada grande, sem ter seus olhos irritados por uma espessa camada de fumaça no ar. O pior é que ela não era formada todos os dias e depois renovada. A aparência é que tinha a mesma idade do bar, inaugurado em 1986. Rezava a lenda que pessoas realmente importantes haviam fumado ali, por isso daria azar se deixasse toda aquela fumaça sair.

...Maldito folclore estúpido de cidade podre do interior. Pensava um sujeito que trazia um lenço branco cobrindo o nariz e a boca. Vamos embora. Insistia ele aos amigos ou primos, pois eram três rapazes realmente parecidos. Podiam até ser irmãos, mais se fossem já estariam mais exaltados. Os outros sorridentes olhavam em volta e achavam graça de nem saberem direito se estavam perto ou não do balcão onde eram preenchidos canecões com chope. Vamos lá quando teremos a oportunidade de ver um jogo da Alemanha num bar assim? O mais animado dos três insistia nesta frase. O outro enojado. O terceiro estava tentando enxergar a tela de 14 polegadas através da cortina cinza que flutuava por todo o lugar. Fanático como era quando viu a bola correr até o gol animou-se não identificou nada, porém gritou como nunca. Levantou os braços e soltou um sorriso muito contagiante.

...Mas ninguém havia se mexido. O gol não era a favor. Todos olharam para ele, todos extremamente sérios. Ficou envergonhado. Alguns acharam graça, outros. Bem, outros nem tanto assim. Logo sentiu um puxão. Traidor da nação. Um punho cerrado lhe atingiu o olho. E ele apenas caiu. Não que realmente tivesse sido nocauteado. Mas é que por alguns instantes viu a silhueta do homem que o acertou e bem: parecia mais um urso do que um homem. Disse ele depois. Mas o companheiro que voltava do balcão com canecões não havia sido tão observador. Soltou um murro no ar e acertou alguém. E a briga começou.

...Inacreditável foi ver como realmente havia espaço. Onde antes era impossível de andar direito agora tinha espaço o suficiente para a realização de golpes que a mente humana não consegue pensar que acontecem em uma briga de bar. Pelo menos não naquele bar. Claro também que cadeiras voaram. Claro que copos inteiros de chope se perderam no chão, quebrados ou apenas tombados. Talvez não seja exagero dizer que alguma mesa tenha sido arremessada, mas não causou um estrago tão grande. Afinal estavam todos bêbados mesmo.