segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um triste fim

...“Eu não sou como os outros. E falo sério.” Os olhos fixos nos dela. A mão estrategicamente acariciava a cabeça. Ela cedeu ao beijo. E uma semana depois estava morta. Não pelas mãos dele. Mais por decisão da própria. Pendurava pelo pescoço no banheiro.

...Cátia tinha já um histórico problemático na escola. Notas baixas. Seu maior problema e orgulho foi o desenvolvimento físico precoce. Atraiu a muitos. Tinha um rosto suave e olhos doces que escondiam uma mente em crise. Aos 13 seu primeiro namorado de 15. Um mês depois estava com um de 18, mas foi com o de 21 que tirou sua virgindade. Com pobres 14 anos gabou-se para as amigas. Conversou com a diretora. A diretora conversou com os pais.

...Foi trocada por uma loira perfeita de 18. Os pais a mandaram a um psicólogo. Depois outro, e outra psicóloga. Outra escola, outra diretora. Outra cidade. Sua vida foi um agito. Não demorou a outro rapaz cair em encantos. Uns mais velhos outros mais novos. Um cigarro a boca. Uma clinica. Um porre. Uma nota baixa.

...Com 15 teve uma festa. Algumas amigas e o resto da cidade que se aproveitou dela de algum modo. Era legal ter a vida que tinha. Quando desfilava de dia, os olhos de malandros eram todos dela. De noite a bunda dela era da mão de todos os malandros.

...Cansou-se com 16 criou juízo e parou. Começou a se valorizar e perdeu o valor: fria no ar.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Um bom exemplo

...Desde pequeno Alvin foi avisado por seu pai. “Nunca vá às ruas baixas.” E desde pequeno Alvin obedeceu. Sabia que seu futuro era exemplar e que para conseguir ser digno de desempenhar tal função ele deveria ser um exemplo desde sempre.
...As ruas baixas sempre ocuparam no imaginário de Alvin um lugar tenebroso, que ao mesmo tempo proporcionava aventuras mil e muitas outras emoções. Mas sempre seu imaginário. Nunca sua real vida exemplar. Pois desde pequeno Alvin escutava de seu pai, também seu maior exemplo, de quem herdaria também um dia a posição exemplar e este que dias passados herdou do avô de Alvin que também falava o que ouviu de seu pai e do pai dele por sua vez em gerações incontáveis: “Nunca vá às ruas baixas.”
...E todos, tão exemplares, como Alvin podia estragar com toda a honra familiar. Mas, as ruas baixas eram tão diferentes e tinham um ar diferente para ele. Chamavam? Sim era como se chamassem, o tempo todo chamado. “Venha.” Do outro lado seu pai: “Nunca vá às ruas baixas.” Queria ser um exemplo para desempenhar a função exemplar.
...Mas um dia a tristeza abateu sobre Alvin, seu pai morreu. Chegou o grande dia. Triste como seu pai quando alcançou a posição quando o avô de Alvin morrera, fez o mesmo. Foi exemplar. Teve um filho para o qual repetiu por toda a vida, exatamente como seu pai falava para ele: “Nunca vá às ruas baixas.” Queria que seu filho fosse um exemplo, como ele era. E será. Alvin elogiado como bom exemplo. Pois ele não ia às ruas baixas. Alvin existe.

sábado, 19 de junho de 2010

2097 e a Guerra Fria

...Tem um bom tempo já que Russell não desgruda os olhos de seu laptop, em seu apartamento estão por todos os cantos formulas matemáticas muito complexas. Alguns borrões a lápis depois corrigidos por uma caneta com figuras geométricas em três dimensões. Acima, ocupando todo o teto, uma reprodução em escala não muito real do universo. Toda esquematizada com códigos estranhos. Contendo, claro, o sistema solar e mais uma pilha de sistemas todos com as rotas dos planetas e luas. Perto da janela um telescópio poderosíssimo. Nós não conseguimos imaginar até onde ele é capaz de enxergar através daquelas lentes.
...O físico russo tem trabalhado nesta teoria que está finalizando agora por quase treze anos de sua vida incessantemente. Por longos treze anos. No inicio o trabalho não era tão intenso como na metade do processo se tornou. Bem, não exatamente na metade, mas quando suas pesquisas sobre o tema se tornaram serias sua mulher o deixou. Sim, quando elas se tornaram serias, pois existiu um tempo em que isto tudo que estava para ser provado era piada.
...Há 14 anos, algumas semanas e horas quebradas que não são de muita valia, Russel e sua esposa jantavam na casa de Nikolai, amigo de infância e faculdade que depois da conclusão do curso foi também para o centro de pesquisas da Rússia onde trabalham no mesmo setor. Enquanto esperavam a sobremesa conversavam descompromissadamente. Quando Russell insistiu em saber dos progressos do trabalho, na realidade queria apenas esfregar na cara do colega que estava se dando melhor. Para sua surpresa Nikolai desviou o assunto o parabenizado pelos últimos feitos e provocando de um jeito nunca imaginado, depois de todos estes anos, as palavras foram: “Quanto as minhas descobertas não vão muito bem, mas creio que no campo que você pegou esta semana tem tido muito sucesso. Melhor será sua próxima conquista, não sei se devo comentar, mas estão falando em localizar a origem do universo!” Foi uma brincadeira, claro. Mas não chegou como tal aos ouvidos do serio pesquisador bem sucedido. Riram na hora, mas no fundo Russell estava intrigado.
...Os meses foram indo. A leitura do físico mudou o curso, em sua mesa de cabeceira apareceu um exemplar da bíblia sagrada, junto a algumas teorias evolucionistas, não demorou a uma caneta acompanhar o quite. Folhas de papel. Um número grande de anotações e o serio virou sonhador. O desempenho na empresa despencou. Tirou férias. Esta era a brecha necessária.
...A pesquisa real começou. Três anos depois sua mulher indo embora. O trabalho dobrou, triplicou, tendendo ao infinito. Noites e dias e o escritório se transformava e a casa se transformava e o próprio Russell se transformava. Quando o tempo de folga esgotou-se apresentou aos chefes o que tinha em mãos. Era loucura, mas se entortasse um pouco a cabeça tinha cabimento. Antes tentaram o fazer desistir de tudo, mas não havia maneira. Deixe assim mesmo. Talvez um Nobel a Rússia! Não seria exagero pensar, se o homem não perder completamente o juízo. Ainda pode convencer o mundo.
...Resultado continuou estudando e agora esta terminando tudo. A última peça do quebra cabeça esta por ser colocada no devido lugar. Podem todos pensar: “Ótimo, mais uma hipótese.” Mas não desta vez. Desta vez não. Mais que uma hipótese esta era uma verdade, comprovada através dos mais simples cálculos e leis. A resposta para variar estava debaixo do nariz da humanidade por todos estes anos de existência.
...No outro dia acertou tudo com todos. Ultimo ajustes. Mostrou para a comunidade internacional. Todos concordaram acharam um grande progresso. Muito interessante. Bom, bom. Concordaram que mesmo sendo pouco pela contribuição a ciência e ao mundo era pouco um Nobel, mas era um Nobel, ainda assim. Vejam só.
...Estava então um dia antes de seu grande dia. Provou o terno da grande palestra. Apesar de seus 87 anos conservava uma postura galante diante da sociedade e depois de muitos anos voltou a ser o homem preocupado com a aparência de sempre. Releu seu discurso de agradecimento. Pensou na expressão de todos, afinal não seria fácil fazer a humanidade engolir tudo o que estava por vir a eles. Pensou, sorriu, estava eufórico. Sentou em sua cama. Olhou para a janela, foi até ela e levou um tiro. Sua cabeça partiu-se em milhões de fragmentos, antes que pudesse acontecer algo mais o apartamento explodiu. O prédio evacuado. Todos a salvo, de onde a explosão? Da cobertura, o velhinho deve ter estourado o botijão de gás e não deu outra. O que ele era mesmo? Um físico, abandonado pela mulher. Está em um lugar melhor agora. Amém.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Durante o comercial

...Pela janela do apartamento Zé olhou a noite fria acontecer. As luzes todas acesas dos apartamentos vizinhos dos prédios vizinhos. Parecia uma colméia segundo ele. Não sei de onde tirou a palavra colméia, deve ter sido a ultima que aprendeu na escola. Ele soltou um grito. Pura imbecilidade de Zé. Quer aparecer deixa ele. Fica incomodando a vizinhança. Quem ele pensa que é? Em seu apartamento com seus pais. Aquecido. Com tevê. Comida. Por que diabos ele quer ficar ali. Na janela. Não está passando novela? Então, ainda se fosse o jornal. Pelo menos desistiu de gritar. Desistiu de incomodar todos. Que rapaz mais chato. Deu para cuspir na rua. Se tivesse maior força na boca sua saliva poderia ultrapassar o pátio do prédio, seria um grande problema. Não queremos ninguém importunando as pessoas que passam na rua há esta hora. Mas pensando bem, quem estaria passando na rua há esta hora, com novela na televisão ainda. Se fosse o jornal. Mendigos? Ora, quem importuna mendigos, eles que nos importunam. Caso algum pare para descansar aqui perto ou até mesmo pare para, não sei o que eles fazem mais, urinar na arvore ou na grama o ‘segurança’ do prédio liga a sirene. È lindo ver ele correndo da ‘policia’. Bom pelo jeito a boca dele está seca. Isto Zé vai beber um suco. Acho que o intervalo já passou.